QUANDO VAI EMBORA É UM MAR DE SAUDADES
- Danilo de Jesus
- 22 de jun. de 2016
- 4 min de leitura

Querido leitor, vou propor um exercício, feche os olhos e tente lembrar do poderoso timbre do Wander Pires, junto com isso, traga a bateria não existe mais quente de Padre Miguel. Conseguiu? Se sua resposta for positiva, prossiga cantando o trecho abaixo: Aonde chega é felicidade Quando vai embora é um mar de saudade Assim terminava o samba da Mocidade Independente de Padre Miguel de 2002, e com esse desfile Renato Lage se despedia da comunidade da zona oeste carioca. Encerrando assim um vitorioso ciclo com a escola.
Vi em um documentário que em 1990, ano de sua chegada na escola, a Mocidade ansiava por um campeonato, e ele como profissional também, o resultado foi o inesquecível Vira Virou... A Mocidade chegou! Enredo que contava a história da escola e terminava com uma interrogação, e o amanhã, como vai ser? A resposta veio em seguida com o Bi-Campeonato de 1991, sobre a água... O lindo Chuê, Chuá! Já em 1996 a Padre Miguel conquistou mais um campeonato, seu último título até o momento, e como Lage diz nesse mesmo documentário: “O desfile Criador e Criatura, foi o PhD dele como profissional, artista plástico, carnavalesco e sambista”.
Nesse ano a escola entrou atrasada, devido a um congestionamento de alegorias da Portela e Viradouro que desfilaram antes. A princípio veio o medo em todos da direção da Mocidade, pois o carnaval havia sido projeto para a luz da noite, o efeito da caixa escura da noite que se faz no sambódromo – era peça fundamental, mas com os imprevistos, a Mocidade desfilou com o sol raiando, a preocupação de perder a estética HighTech (marca do Lage) caiu por terra quando os envelopes foram abertos consagrando a escola com a grande campeã daquele ano.
Ainda na Mocidade, o carnavalesco desenvolveu desfiles memoráveis, que mesmo não ganhando, povoam a memória de todo sambista, para citar alguns: Villa Lobos de 1999; Sonhar não custa nada de 1992; De Corpo e Alma na Avenida de 1997 (um dos meus preferidos), tanta coisa fantástica, que carnavalesco e escola, meio que, se fundiram em uma marca única...
Quando se falava em tecnologia em desfile, luzes, neon, o primeiro nome que vinha a cabeça, era sempre, Renato Lage e Mocidade Independente, sinônimos de inovação tecnológica em desfiles com temáticas originais e com apuro estético peculiar, isso somados a incrível bateria “Não existe mais quente”... A escola nos anos 90 era certeza de concorrente forte à títulos.
Mas aí entra um fator a ser analisado por estudiosos de carnaval, de que, quando se cria a dependência mútua (Carnavalesco X Escola), até que ponto ela é favorável e/ou prejudicial. Como diz o samba do Zé Katimba, toda história tem início, meio e fim... E por “N” motivos, alheios a esse texto, em 2002, com o carnaval do Grande Circo Místico, a parceria Lage e Padre Miguel se findou, não sei se para sempre, afinal, o retorno sempre pode ocorrer, carnaval hoje é profissionalismo, e isso faz parte do mercado do samba.
No ano seguinte, Lage foi para o Salgueiro, onde está até hoje, para desenvolver o enredo sobre os 50 anos da escola, e a Padre Miguel contratou Chico Spinoza para falar sobre o delicado enredo sobre doações de órgãos, a escola ficou à frente do Salgueiro, em um quinto lugar. Renato em sua estreia na vermelho e branco ficou em sétimo. Entretanto, de lá para cá, o Salgueiro sempre ficou melhor classificado que a escola da Vila Vintém, que, diga-se de passagem, na maioria dos anos, não conseguiu sequer voltar para o sábado das campeãs, amargando posições aquém de sua grandeza, e olha que foram muitas tentativas – troca de carnavalescos – Louzada, Mauro Quintaes, Cebola, entre outros.
A impressão, talvez eu esteja errado, é que a escola tenta a todo custo resgatar a estética e contemporaneidade dos áureos anos 90, busca a todo custo colocar em prática a formula de seu sucesso, mas, a matemática é lógica, e a mudança na ordem dos fatores altera o produto, sim.
O que não quer dizer que a escola não tem mais jeito, muito pelo contrário, a escola deve, porque de fato é, maior que qualquer profissional (aliás toda escola é), Lage contribuiu para uma era, mas essa formula se foi junto com ele...
A Mocidade Independente é maior, e tem capacidade de se reinventar, houve um tempo que imperou Arlindo Rodrigues e seu estilo barroco, em outrora Fernando Pinto ditou as ordens estéticas e artísticas, a escola exalava originalidade e tropicalismo.
Com a chegada do Lage, ela se reinventou, o carnavalesco somou a escola e o resultado foi feliz. A saída dele (Renato Lage) – sem dúvida gerou em todos de sua comunidade um gigantesco Mar de Saudades, mas não adiantará nunca buscar a mesma formula que só existia com ele, é preciso encontrar outra, pois a ressaca desse mar é traiçoeira, e a escola vem em sucessivos erros em seu comando, que vão ano a ano tirando sua magnitude.
Fica aqui registrado a minha torcida para que os bons ventos soprem novamente para Mocidade Independente e ela encontre um novo Ziriguidum, trazendo alegria ao povo da zona oeste, e fazendo brilhar mais uma vez a estrela mais famosa do carnaval carioca. Até Mais Danilo de jesus
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