SAUDADEANDO...
- Danilo de Jesus
- 22 de jul. de 2015
- 5 min de leitura

Diz a lenda que a palavra SAUDADE é genuinamente um vocábulo da língua portuguesa, de difícil tradução, e que raramente outro idioma tem algum verbete semelhante a essa palavra, e principalmente que represente esse que é um dos mais lindos sentimentos que existem, inerente ao ser humano, são muitos poemas de nossa língua que permeiam a o sentimento chamado saudades, isso sem falar nas músicas, sejam elas populares, eruditas, românticas...
Saudades sempre é uma fonte inesgotável! Todo mundo sente saudade, e sempre arruma uma forma de se expressar.
Com as escolas de samba isso não é diferente, cada sambista carrega consigo um traço de saudade, desde um velho samba ou de um lindo desfile, os mais antigos sentem saudades dos Carnavais da Rio Branco, ou da Tiradentes e da Avenida São joão (aqui em São Paulo), os apaixonados sentem saudades daquela cabrocha que maltratou o coração do coitado ou daquela paixão arrebatadora que não vingou na quaresma –pós a folia, também tem os que sentem saudade 365 dias do ano, saudades da arquibancada vindo abaixo na passagem da bateria, os mais sádico sentem saudades daquela apuração que fez todo mundo agendar uma ida no cardiologista, mas pra outra semana, porque vou pra apoteose das campeãs, claro! Em 1985, a Caprichosos de Pilares, em seu terceiro desfile entre as maiores escolas de samba carioca, falou sobre isso...
Ou melhor falou de Saudades! A escola da zona norte entrou na pista com o sol das 10h da manhã, em um daqueles calor absurdos do carnaval carioca, além disso às pessoas que esperavam a Caprichosos já estavam há quase 20 horas na pista (Até desses absurdos de má organização, tem gente que sente saudades)...
O fato é que a escola fez o seu melhor carnaval, conquistando um honradíssimo quinto lugar! Isso claro, devido a leveza de sua estética (até hoje o letreiro do abre alas escrito SAUDADES) é lembrado. Mas também o sucesso daquele carnaval se deve ao samba maravilhoso (qual falaremos mais a frente) – acompanhado por uma bateria inspirada demais, tudo isso propiciou um desfile alegre, com o componente evoluindo como se deve e cantando...
Isso sim, disso eu sinto muita saudades! Se pegarmos a primeira parte do samba de 1985 – que já falava de coisas que as pessoas sentiam falta – acredite, ele está mais atual do que nunca! Oh Saudades, meu carnaval é você... Caprichosamente vamos reviver “Saudadeando” o que sumiu do dia a dia, na fantasia de um eterno folião O bonde, o amolador de faca, o leite sem água, a gasolina barata “Aquela” seleção nacional, e derreteram a taçA na maior cara de pau Se em naquela época, as pessoam sentiam saudades da gasolina barata, de uma seleção Nacional de verdade, avalie hoje, exatos 30 anos depois?
Esse enredo da Caprichosos não falava da Saudades de uma época, de um período ou algo assim...
A escola falava da Saudades de tempos melhores (financeiro, econômicos, sociais, etc) essa foi a grande sacada da escola. O que o tornou esse desfile da Caprichosos de Pilares é atual, além claro, de agir como se fosse uma síntese do Brasil dos anos 80, caricato, esperançoso, um Brasil que estava saindo da escuridão da ditadura, que ansiava por eleições diretas, e com problemas econômicos gigantescos, mas com um povo tinha uma esperança e principalmente bom humor para rir de si mesmo, coisa que hoje em dia se perdeu...
Aliás, isso foi perdendo espaço para o “politicamente correto” que vem encaretando a sociedade de uma forma que estamos voltando “eras complicadas”, de repressão e do cala boca imposto – de forma discreta ainda – mas que cada vez mais, estão engessando o Brasil! E isso é comemorado, e esse viva ao retrogrado é o que mais me preocupa.
Quando que hoje em dia uma escola levaria um samba com esses dois refrões principais? Tem Bumbum de fora pra xuxu Qualquer dia é todo mundo nu (...) Bota-Bota Botafogo nisso A Virgindade já levou sumiço A Caprichosos levou, e graças a isso conquistou naquele ano o troféu Estandarte de Ouro de melhor escola, pois ela desfilou a necessidade do carioca e do brasileiro de rir de si, de olhar para dentro e perder o medo de falar, de se divertir com as suas próprias mazelas.
Eu nem eu era nascido e esse samba já me representava, como poucos sambas enredos conseguem fazer!
E eu digo isso por todos os motivos possíveis, pela necessidade do samba assumir seu papel social, pela qualidade da obra em si, pela momento histórico que o país estava vivendo, e pela “inveja” do folião da Caprichosos nesse desfile, se há dúvidas, corre no youtube querido leitor, e procura esse desfile de 1985 da Caprichosos, é algo tão singular, que até eu, que nem nascido era, tenho saudades deles, como se eu tivesse ali na Sapucaí debaixo do sol, dando nas cadeiras com o povo de Pilares. Uma curiosidade no vídeo vocês verão e ouvirão o interprete da escola que colocando ao fim do refrão principal, um caco, um ruído abafado que simulava o barulho de um, desculpe o termo, peido, Kkk.
Diz se não é muita audácia, escracho, muita algazarra devidamente organizada pra um desfile só...
Na verdade, foi muita é coragem, a Caprichosos teve muito culhão pra assumir aquele desfile...
Tornando-o assim inesquecível. E samba então?
É tão mágico, simples e especial, quase que uma marchinha...
Que conseguiu além de tudo ser pioneiro, somente o SAMBA justifica, tornando ao mesmo tempo lindamente poético, pegar a palavra SAUDADE e transforma-la em um verbo, como é visto na letra desse samba...
“SAUDADEANDO o que sumiu do dia a dia”...
Eu saudadeio, nós saudadeamos...
O verbo "saudadear" é o ato de Falar de sentimento!
Sendo um dos mais tocados naquela época de carnaval e depois dela também. Pilares sempre foi uma das escolas cariocas que primaram pela irreverência, buscando esse caminho com enredos satíricos, a na simplicidade em sua concepção de fazer carnaval.
Ela conta a garra do povo do subúrbio (Pilares, Cascadura, Méier) e isso faz muita falta nos desfiles de hoje em dia. Como esquecer dos carnavais de 1993 e 1994 da escola...
O primeiro pegava uma música do Chico Buarque “Não existe pecado abaixo do Equador”, e trocava a Linha do Equador - pelo Túnel Rebouças “que divide Zona Norte e Sul no Rio”, mostrando a alegria do Subúrbio, seu jeitinho é claro, mas principalmente a sua felicidade.
Já em 1994 a escola homenageou o Bloco Bola Preta, a irreverência do tema começou desde o título do enredo “Estou amando loucamente uma Coroa de quase 90 anos”.
Tem como não amar esse desprendimento? Depois disso vieram alguns altos e baixos na escola, a passagem de Jackson Martins pela escola e seu falecimento precoce até hoje geram saudades no mundo do samba, assim como os sambas de 1998 sobre os Negros e o de 2001 sobre Goiás, que deixaram muitas saudades e sempre são revisitados, por mim e por muita gente de bom gosto, que existem sim no mundo do samba, como você, querido leitor!
Ai Caprichosos, como eu sinto Saudades de você entre as grandes escolas do carnaval carioca...
Mas como diz na letra do teu samba de 1985: Hoje está tudo mudado... Tem muita gente no lugar errado!
Volta logo, viu, Caprichosos!
Até mais, Danilo de Jesus
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