MAIS UM ANJO QUE O INFERNO ACOLHEU...
- Danilo de Jesus
- 16 de set. de 2015
- 4 min de leitura

Essa semana entre um samba e outro, eu ouvi um samba que me deixou pensativo sobre a vida de um cidadão, uma daquelas lendas urbanas, que povoam o imaginário de uma cidade, me peguei pensando nesse mito carioca, assunto de nossa coluna de hoje. Claro que já tinha ouvido esse samba antes, mas há coisas que só prestando mesmo muita atenção para de fato refletirmos. Foi o que ocorreu dessa vez... Eu tô falando do samba de 1990 da simpática escola da zona norte carioca, a bem da verdade eu nem sei ao certo em que grupo ela está atualmente, a Lins Imperial – acredito que no grupo C após o acesso, entretanto a exatos 25 anos a escola desfilou entre as grandes escolas, e garantiu sua vaga para o próximo carnaval, levando para a avenida, a boemia carioca – o Bairro da Lapa - e a vida de Madame Satã, o mito, a lenda (mas que existiu de verdade). João Francisco dos Santos nasceu em 1900 – no estado de Pernambuco, e entre 17 irmãos o ainda pequeno João foi trocado por uma égua, pelo prórpio pai. João nasceu negro, pobre e homossexual, mas também com um enorme senso de humor.Sarcástico e debochado, João deixou para trás sua Terra Natal, foi para o Recife, e depoischegou no Rio nos áureos anos 20, trabalhou de tudo, foi engraxate, garçon, segurança das meretrizes, e sua grande paixão – cozinheiro – (nos seus ultimos anos de vida, João exerceu o oficio de cozinheiro)... Claro, João chegando na então capital do Brasil, foi acolhido pela LAPA, bairro que agrega até hoje a toda a biodiversidade urbana do Rio de Janeiro. E ali perto dos Arcos João foi acolhido. Analfabeto, ele foi vivendo de alguns bicos, sempre marginalizado, até que conheceu Catita, a Rainha das “Casas de Tolerância” se é que você querido leitor me entende, e aos poucos foi ganhando fama de brigão, João certa vez disse em entrevista ao Pasquim (antigo jornal anárquico) que não sabia lutar, que odiava briga, mas que odiava muito mais injustiça, não aceitava o fato da polícia já chegar humilhando os pretos e pobres, ai seu sangue fervia e ele saia na mão com todos que entrasse em sua frente, sozinho, sem armas. Puxou muitas canas, tinha diversos nomes, sempre por desacato, briga, houve uma ou outra acusação de assassinato. Mas como João falava, ele não matava ninguém, quem matava era a bala do revolver, e Deus que decidia a pendenga. Além de toda essa fama de brigão, valentão, João era “gay”, mesmo sem saber que essa era sua definição, gostava de rapazes, os mais novos era sua perdição... Tanto que muitos antigos, bricam que toda criança (os molecotes), quando ia a LAPA sempre recebia a precaução de tomar cuidado com Madame Satã. Pura Lenda, na mesma entrevista, João afirmava que nunca fez nada que a outra pessoa não quisesse. O nome Satã veio muito depois, no carnaval de 1942, havia um baila de fantasia, e João que havia fugido de uma de suas temporadas na cadeia, decidiu participar, confeccionando uma fantasia com asas de morcegos, batizando a de Madame Satã (a policia começou a chama-lo assim). Seu apelido (nome homônimo do filme de Cecil B. DeMille) – leva consigo sua essência, tornando-se um mito urbano, uma referência a cultura marginal carioca. Falando em cinema, 102 anos depois de seu nascimento, em 2002, Madame Satã teve sua vida contata no filme que leva seu nome e tem como interprete de sua pessoa o sempre excelente, Lázaro Ramos. #ficadica... Vale muito a pena conferir. É daqueles filmes tenso, e enigmáticos de nosso cinema, sem a impressão que foi revelado em litro de cândida... Nem com ar de modelagem americana, é um filme brasileiro em sua entranha! Assusta um pouco pela verdade crua e nua, mas é um senhor de um filme! João faleceu em 1976, esquecido pelos canas que o perseguia... em seu canto, cuidando da sua vida, vez ou outra ainda recebia algum jornalista interessado em fazer alguma matéria sobre seu passado glorioso, como marginal e transformista. Morreu quase que esquecido, morreu como viveu, a margem da vida! A quem diga que pelo gênio dificil ou por discriminação, ou os dois, acho que pelos dois. Mas a vida, tem dessas coisas e 14 anos após sua morte, a Lins Imperial apostou nessa figura folclórica e urbana para fazer seu desfile, uma justa e poética homenagem a ele e a toda boêmia carioca. O samba o redimiu transformando em refêrência... Assim como o Salgueiro trouxe ZUMBI para o Carnaval nos anos 60, a Lins trouxe Satã para o Carnaval, e hoje ele é sempre retratado/homenageado, a própria Academia do Samba já fez reverência a Satã, em seu desfile de 2011 – sobre o cinema - o Salgueiro veio com aquela ala maravilhosa de passistas liderada pelo Carlinhos homenageando Satão, ou na alegoria da Portela esse ano quando falou do Rio como cidade Surreal. Somente o samba para trazer João, e o retratar em sua verdade, assumindo sua importância para a cultura pop, boemia, urbana carioca... Uma lenda, que viveu em sua carne todas as glórias e inglórias de lutar para ser o que é, gay, negro, pobre, nordestino, analfabeto... E ainda assim criar fama por onde passou, pelo bem e pelo mal, como diz no samba da Lins: “Satã é mais um anjo que o inferno acolheu A Lapa é o mundo que jamais ele esqueceu!” O inferno (se é que existe um?), se é que esse inferno não é em terra? Não só ele, mas o samba também o acolheu, lhe fazendo reverência, salve João Francisco do Santos, Salve a LAPA, Salve Madame Satã, salve a Malandragem Carioca, Salve a noite e o povo da Rua! Laroyê! Até Mais
Danilo de Jesus
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