O NEGRO É OURO LÁ NAS TERRAS DO SALGUEIRO
- Danilo de Jesus
- 19 de jun. de 2015
- 5 min de leitura

O brasileiro é a maior riqueza do nosso país, somos uma mistura que deu certo! Assim como várias manifestações do nosso Brasil, o carnaval é uma mistura de vários elementos que influenciam a nossa cultura. Índios, europeus e negros formaram a nossa cor, nos deram ritmo e principalmente essa equação é a responsável pelo brasileiro gostar tanto de festa! O samba não se ouve, o samba se sente...
E vem de lá do continente negro a semente que aqui jorra em abundância, antes semba, hoje samba! Os tambores africanos deram sem dúvida o ritmo a festa, e por isso inúmeras vezes são homenageados em nossos desfiles, mas caro amigo leitor, nem sempre foi assim...
Em 1960 o então carnavalesco - e pai de todos eles, Fernando Pamplona bateu o pé e assinou o enredo sobre ZUMBI dos Palmares, pela primeira vez o carnaval retratava a história de um personagem “até então” não oficial de nossa história! E qual escola que embarcou na época nessa ousadia? Aquela que não é nem melhor, nem pior, aquela que se orgulha de ser apenas diferente – a Acadêmicos do Salgueiro, tema de nossa coluna essa semana! Algumas colunas atrás eu citei como a temática Afro combina com o Salgueiro, a história da escola tem capítulos belíssimos com enredos africanos. A ponto que se hoje vários personagens negros de nosso país são conhecidos, isso se deve aos desfiles do Salgueiro. Zumbi, Xica da Silva, Chico Rei entre outros tantos, não eram até a década de 60 pauta nos livros de história “oficiais” brasileiros, o negro estava a margem da história de nosso país, não que isso hoje tenha mudado 100%, infelizmente ainda há muito o que ser feito!
Mas num Brasil dos anos 60, pré ditadura, as escolas de samba e principalmente o Salgueiro souberam (como poucos) se manter firme na valorização da raça negra. Dentro todos os enredos sobre o negro que a Academia do samba fez, eu irei hoje focar em três: o primeiro é o Festa para um Rei Negro ( o famoso pega no ganzê) de 1971 – responsável entre tantos feitos, pela revolução musical do quesito samba enredo...
Depois quero falar do enredo de 1989, Templo Negro em tempo de consciência Negra, pelo enredo em si e principalmente pelo samba, que foi defendido pelo Pavarotti Rixa (que hoje deve ser escrito com RYCHYYAHS) cada ano essa fera muda a grafia do nome kkk, e por fim, encerrando essa viagem de cinco décadas do negro na avenida, a gente chega no carnaval de 2007 – mais que um desfile, Candaces é uma festa, é um transe que envolve a todos que gostam de samba! Em 1971 o Salgueiro já era reconhecido por seus enredos de temática africana, com quatro títulos entre 1960 (o primeiro da escola – Zumbi – como já falamos) e o de 1969 – Bahia de todos os Deuses, a escola resolveu novamente apostar num personagem negro “Mani Congo” o Rei do Congo, que certa vez foi recebido com festa por Nassau aqui no Brasil.
Foi um banho de cultura, encabeçado pelo quarteto de gênios João 30, Maria Augusta, Arlindo Rodrigues capitaneados por Fernando Pamplona.
Como se isso não bastasse, o Salgueiro ainda contava com a genialidade de um compositor chamado Adil de Paula, mundialmente conhecido como ZUZUCA. Em tempos de parcerias duvidosas ou cheia de cabeças para se fazer um samba, naquela época uma única mente foi responsável por compor o samba divisor de águas, dentro da modalidade samba enredo.
E eu digo que Zuzuca ficou mundialmente conhecido porque sua obra varreu o mundo, o refrão “Olê lê, Olá lá Pega no Ganzê – Pega no Ganzá” até hoje é reconhecido e tocado em festas dentro e fora do Brasil, ajudando na popularização do estilo samba enredo.
Além de ajudar a popularizar o Samba e o nosso carnaval, o enredo “Festa para um Rei Negro” mudou toda a estética de se compor um samba, se antes eles eram rebuscados, cheios de detalhes, os famosos sambas lençóis, com versos pomposos, a partir de 1971, graças ao samba do Salgueiro, se viu a necessidade de um refrão de forte apelo e memorização para que um samba realmente de fato aconteça na avenida! Isso claro, sem perder em qualidade e melodia.
E pra sacramentar tudo isso, o Salgueiro ganhou sua quinta estrela! Já em 1989, o Brasil ainda respirava vestígios da comemoração do centenário da abolição ocorrido um ano antes, e comemorado por várias escolas no carnaval de 88 – quando o Salgueiro optou em falar sobre o OURO, deixando para o ano seguinte o seu enredo sobre o negro e sua luta por igualdade.
Mesmo ficando quem quinto lugar na disputa, esse desfile do Salgueiro teve peculiaridades que valem a pena lembrar.
O maior de todos eles, como citei em 89 o Salgueiro quis falar do negro (com várias personalidades homenageadas, inclusive Anástasia, a negra linda de olhos azuis e mordaças, hoje já tão conhecida) e digo mais o Salgueiro desfilou em plena luz do dia, algo raro, (se não me engano a última vez que o Salgueiro desfilou de dia foi em 1997) – a escola veio sem o recurso do brilho que a noite traz e na minha opinião foi um desfilaço, com um samba lindo, (talvez o melhor do ano junto com o Liberdade, Liberdade da campeã Imperatriz), mas foi um samba que casou perfeitamente com a bateria furiosa que estava inspiradíssima, e com a voz aveludada do Rixa – sempre um show a parte!
Mesmo sendo apontado como um grande erro por muitas pessoas “entendida de samba” que achavam que esse enredo deveria ser o de 88 como as demais agremiações, o Salgueiro quis ir contra o modismo e lançou esse enredo um ano após todo mundo falar do negro... Não apenas por ser diferente, mas para mostrar que a luta da consciência negra e da falsa libertação deve ser feita todo dia, todo ano, e não apenas no centenário. Quase duas décadas depois, o Salgueiro trouxe as Candaces para o mundo do samba!
Lembro que em 2007, fiz meu ritual de sempre, comprei o CD de sambas enredo carioca, cheguei em casa e ouvi faixa a faixa, calmamente lendo cada letra através do encarte na mão, quando chegou a faixa 11 eu lembro de jogar o encarte longe e começar a dançar que nem um louco, eu não conhecia aquele samba, nunca o tinha ouvido, mas logo de cara na abertura dele, parecíamos íntimos, aquela evocação as orixás femininas me tomou de tal forma, que até hoje me emociono quando o ouço. Candaces foi fantástico, inclusive para a dupla de carnavalesco Renato Lage e sua esposa Marcia Lage, enredos afros nunca foram o foco desses competentes carnavalescos, não me lembro dessa temática na fase Padre Miguel deles.
Mas, no Salgueiro eles acertaram a mão, visualmente a escola estava belíssima, com fantasias e alegorias fantásticas. A escola era favoritíssima, mas ficou em 07 lugar...
Perdendo notas em Harmonia e Conjunto, mostrando que algo naquele desfile transcendeu, Candaces não foi um desfile certinho, correto – Candaces foi um acontecimento!
Exagero meu?
Talvez, o fato é que sempre quando alguém lembra desse samba ou o canta em qualquer lugar, tudo em volta para – tudo em volta entra em transe! Assim são eles, nem melhor, nem pior, apenas e orgulhosamente uma escola de samba diferente!
Escola que foi pioneira, escola que sempre primou pelo samba, mais que escola, o Salgueiro é uma Academia – de tanta raiz e história, e olha que hoje falamos de Salgueiro sem ao menos citar seu ITA NO NORTE, só para esse desfile caberia um capítulo exclusivo, um dia...
Quem sabe!?
Acima de tudo a Vermelho e Branco gosta de suas cores, a escola assume suas origens como poucas, e principalmente, o Salgueiro assumi que gosta de falar do Negro, de valorizar a raça que ergueu e move o nosso carnaval...
O Negro que é amor, é coragem, é alegria, o negro que foi e sempre será matéria prima para tantos desfiles antológicos, para muitas escolas e principalmente para o Salgueirão, afinal como diz o samba da escola de 1992 :
O negro é ouro lá nas Terras do Salgueiro!
Graças a Deus! Axé! Até mais, Danilo Jesus
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