PODE ME CHAMAR DE VILA, QUE ORGULHO É O MEU BRASÃO.
- Danilo de Jesus
- 8 de abr. de 2015
- 5 min de leitura

Poucas escolas de samba são tão orgulhosas de si quanto essa que falarei hoje, também pudera, estamos falando de uma escola em forma de bairro, que tem sua própria calçada musical, que é muito melhor que a uma calçada da fama...
Bairro esse, que foi cantado e encantado pelo gênio Noel Rosa. Além disso, meus amigos, não é qualquer escola que tem em sua história o senhor José Ferreira, mais conhecido como Martinho, que carrega em seu nome a Vila – Estou falando da Unidos de Vila Isabel, o bairro, a escola e o orgulho! No tempo do Brasil Império, no hoje Bairro de Vila Isabel, ficava a fazenda dos Macacos, a preferida do Imperador Dom Pedro I, inclusive, quando o mesmo se casou com a Duquesa de Bragança usou a tal fazenda como dote, transformando-a em uma das muitas residências imperiais. Quem é da Vila tem mesmo um feitiço diferente, como dizia Noel em uma de suas músicas em homenagem ao bairro, lembrando que, por incrível que pareça, Noel Rosa já não estava entre nós quando a Vila Isabel foi fundada no ano de 1946, pelo Seo China. Portanto, as homenagens de Noel são sempre em referência ao bairro de Vila Isabel, localizado ali entre a zona norte e o centro, pertinho do Andaraí e do Maracanã, mas quem liga pra esse capricho do tempo? O samba é atemporal – e a escola tomou pra si, e por direito e razão, a honra de ser versada pelo poeta Noel...
Pois São Paulo dá café e Minas dá leite, e a Vila Isabel da samba. E quando falo do orgulho da Vila Isabel, não estou falando de modo negativo, pelo contrário, o orgulho da Vila salta aos olhos, é prazer aos ouvidos, transcendendo o samba... O componente da Vila desfila em um estado único da matéria humana, o estado de graça que é formado pela felicidade de defender sua escola. A bem da verdade, a Vila Isabel é daquelas escolas de samba que come pelas beiradas, às vezes pode ficar alguns anos sem fazer grandiosos desfiles, mas em hipótese alguma, ela se dá ao direito de errar a mão no quesito samba enredo... E assim de mansinho, devagar, bem devagarinho como Martinho, a Vila vem e do nada arremata um campeonato, sem deixar dúvidas de sua competência e merecimento. Foi assim em 1988, com o antológico KIZOMBA, a escola vinha de 5º, até de um 11º lugar nos anos anteriores, e quando menos se esperava ela tomou pra si a Marques de Sapucaí, numa festa à raça negra, no ano em que muitas escolas cantaram os 100 anos da abolição da escravatura, a Vila escolheu Zumbi, veio sem muito luxo, sem muitas riquezas, mas com um dos melhores sambas da história do carnaval, veio um chão e um canto que fez com que todos que estavam ali vendo ao desfile, fosse por uma hora que seja, torcedores da Vila Isabel. Valeu Zumbi... Valeu demais, e vale até hoje cada vez que o samba é cantado em outras quadras Brasil a fora. Depois desse campeonato, a Vila precisava se firmar, e foi difícil – a escola sempre teve uma pegada de sambas históricos, que eu particularmente prefiro, mas os anos 90 foram duros com o povo da terra Noel, culminando com uma queda ao grupo de acesso no ano 2000. E foi pelas mãos de Joãozinho Trinta que a Vila voltou em 2005 a desfilar no grupo especial, e já de cara ficou em 10º - garantindo sua permanência, diga-se de passagem, uma façanha para as escolas que sobem ao especial! Ai novamente, quando ninguém imaginava, a Vila voltou ao topo já no ano seguinte, em 2006 a escola levou para a avenida o enredo sobre a América Latina, com o delicioso samba “Soy Loco por ti, América”, garantindo seu segundo campeonato, dessa vez com muito luxo e grana “abafa a parte do dinheiro da estatal Venezuelana”, o legal é que falando novamente de raça, dessa vez da América, a Vila se sagrou a melhor do carnaval. Já o terceiro título da Azul e Branco veio em 2013, numa aposta arriscada – Numa época onde a escolas muitas vezes sabotam sua raízes em busca do novo, do ineditismo, em busca do arrojado e moderno, a Vila apostou no tradicional. Ou melhor, em um m enredo tradicional sobre o homem do campo, idealizado pela Rosa Magalhães, um samba primoroso de Martinho e Arlindo Cruz “FESTA NO ARRAIÁ É PRA LÁ DE BOM...” e pronto “Põe água no feijão que chegou mais um”, mais um título para a escola! Há pelo menos mais uns 10 sambas da Vila que por si só, mereceriam um caneco! Sambas históricos, melódicos, e até samba sem rima nenhuma... Desafio você a achar um verso que rime no samba Raízes, que a escola levou pra avenida em 1987, mais uma obra de Martinho. E já que estamos falando dele, o poeta “devagar” também é autor do inesquecível “Pra tudo se acabar na Quarta Feira” samba de 1984, onde a Vila contava o cotidiano do sambista, de uma comunidade, álias esse samba que inspirou o nome dessa coluna, vale a pesquisada no Youtube. E já que eu sei que você vai pesquisar esse samba, aproveita e dá uma conferida nesses outros dois, primeiro o de 1993, “Gbala” um samba afro, mítico, sobre a criação do mundo e a figura da criança como salvação da humanidade. E o segundo de 1980, um samba fascinante, mais que isso, um samba que era um sonho: “Sonho de um sonho”... Sim, ambos os sambas também são de Martinho da Vila. Isso explica porque o povo da Vila Isabel é orgulhoso, não tem jeito! Mesmo em momentos bizarros como o de 2014 onde alas inteiras saíram sem roupa, o componente da Vila desfilou. Possessos da vida, mas feliz da VILA! Eu lembro com muito carinho de uma transmissão, no ano 2000, quando um repórter da Globo entrevistando uma componente da Vila, minutos antes dela pisar na avenida – perguntou a jovem se ela estava feliz. A menina aos prantos, emocionada só conseguiu dizer: “MINHA VILA, MINHA VIDA”! Isso até hoje me emociona demais, e olha que esse foi o fatídico desfile que rebaixou a escola, mesmo assim o que mais me marcou nele foram as palavras dessa componente. Por essas e muitas outras que o componente da escola exige respeito... “Quem nasce lá na Vila, nem sequer vacila... ao abraçar o samba” Noel Rosa tinha razão, o negócio deles é mesmo sambar, nunca querendo abafar ninguém, pelo contrário, a Vila sempre quis mostrar que faz samba também. E samba de qualidade ímpar! Aqui eu encerro minha homenagem. Esse texto, assim como os títulos da Vila Isabel, veio no lampejo, veio do nada e foi escrito numa flechada só, com destino certo - o coração de cada componente da Unidos de Vila Isabel, escola que é tão merecedora de nossa admiração, seja pela a sua belíssima história, seja pela a sua coroa – sim, é a coroa da Vila é a da Princesa Isabel – ou pelos seus grandes sambas, como esse de 1994, o meu samba preferido deles: "Desperta Seo China, acorda Noel Para ver a nossa escola deste manto azul do céu E o Zé Ferreira, vem saudando a multidão. Pode me chamar de Vila Que orgulho é o meu “Brasão” Até mais, Danilo Jesus
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